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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Sugestão de leitura

Hoje, excepcionalmente, não se destaca neste espaço um livro, mas sim uma sugestão mais ampla, mais global: ler Sophia de Mello Breyner Andersen. Antes que o leitor menos atento torça o nariz em sinal de desagrado, perguntando entredentes o que a poetisa tem a ver com a literatura de viagens, convêm ler atentamente o resto do artigo até ao fim...

A temática da viagem é uma das mais frequentes (e também das mais antigas) na literatura portuguesa e não só. Para o comprovar, basta que recordemos textos como a Odisseia de Homero, a Divina Comédia de Dante, o Dom Quixote de Cervantes, Os Lusíadas de Camões, As viagens de Gulliver de Jonathan Swift, alguns textos dramáticos de Gil Vicente, As viagens na minha terra de Almeida Garrett e mais recentemente encontramos romances de Saramago, Lobo Antunes, Fernando Campos, Rebordão Navarro, Vergílio Ferreira, entre muitos outros. Há mesmo quem afirme que a viagem é um tema omnipresente na literatura, mesmo em textos onde não existe uma deslocação física da personagem. Aliás, a este respeito, basta que nos recordemos que a própria actividade de escrita do texto (e a de leitura que lhe está subjacente) já pode funcionar como uma viagem no universo das palavras.

A literatura de viagens está fortemente ligada, no caso da literatura portuguesa, a um contexto histórico-social específico que foi o das grandes navegações e descobertas dos portugueses, ocorridas sobretudo durante os séculos XV e XVI. Nesta medida, é natural que os textos relativos a esta época funcionem, ainda nos dias de hoje, como o grande intertexto da literatura de viagens contemporânea. Assim, não se pode falar de literatura de viagens sem, de uma forma directa ou indirecta, aludir à epopeia camoniana, ao texto de Fernão Mendes Pinto, à História Trágico-Marítima, para referir só três exemplos.

Na obra de Sophia de Mello Breyner, que para alguns será mais conhecida do que para outros (confesso que só à relativamente pouco tempo comecei a ler a autora), possível encontrar referências claras quer a viagens que implicam uma deslocação física, quer a viagens de índole espiritual ou metafísico. Aliás, esta autora, sempre que isso lhe é possível, une muitas vezes esses dois tipos de viagem, atribuindo a este conceito uma nítida função simbólica. Não pretendendo, de forma nenhuma, tornar a leitura deste pequeno espaço num martírio para quem nos acompanha regularmente, deixo apenas dois exemplos (excelentes, por sinal) da junção da qualidade, intrínseca a toda a obra da poetisa, com o tema de viagens, o santo graal do nosso blog:

- O Cavaleiro da Dinamarca, uma viagem de peregrinação e de elevação espiritual, onde o cavaleiro do título, habitando numa floresta dinamarquesa, parte em peregrinação à Terra Santa, passando ainda, após uma série de peripécias, por Génova, Florença, Veneza e Ravenna.

- Saga, um pequeno conto que retrata a vivência de Hans, o protagonista e aventureiro, que realiza viagens pela costa brasileira, africana e pelo oriente, incapa no entanto de realizar a aparentemente mais sumples de todas: a de regresso à terra que o viu nascer...

Ficam as sugestões, diferentes do habitual, é certo, mas comprovando que o tema "viagens" não se esgota naqueles livros "light", onde são debitados meia dúzia de lugares-comuns. Interessa frisar que mesmo autores consagrados fizeram das "viagens" temas de contos, histórias e livros, numa prova evidente que o género em questão não pode ser considerado menor, perante outros.

4 comentários:

Anónimo disse...

Gostos ecléticos!
Não conheço nada da obra da Sophia de Mello Breiner, mas isso não me impede de achar que ela é um dos grandes vultos da cultura portuguesa. Fazes bem em destacar o papel dela, com a curiosidade acrescida de a vermos escrever sobre o tema de viagens. Como bem dizes, estamos habituados a que isso seja associado a uma literatura mais ligeira. Ficou o apontamento, que achei relevante.

Abraço,

Anónimo disse...

Os meninos estão mesmo cultos:)
Faço minhas as palavras elogiosas do Manuel, pois cada vez mais vale a pena passar por aqui.

Beijocas,

Anónimo disse...

" hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando
as árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida"

Compartilho dessa devoção à maior poetisa portuguesa. Ela é realmente fabulosa, Paulo. Óptima ideia!

Anónimo disse...

É belíssima a obra dela Paulo, belíssima. Fico contente que já tenhas também sido cativado.

Leiam que vale a pena!